Arreganho a oito baixos
Que nem risada de china
Faço roncar os bordões
Enquanto a prima se empina
Voltando à história do sorro
Que hoje, no más, se termina
É que o sorro desta história
Não pegou ensinamento
Curado da minha surra
Lá se esqueceu dos tormentos
Voltando a roubar o alheio
Para manter o sustento
Armei a trempe de novo
De novo peguei o bicho
Lhe dei um risco nas fuças
Com pente de carrapicho
E um chá de casca-de-vaca
Pra lhe tirar os caprichos
Lhe perguntei dos ensinos
E o sorro olhando para mim
Me repetiu meus conselhos
Um a um, tim por tim-tim
E me pedindo licença
Sentou-se e falou assim
Bicho rouba por instinto
Que é coisa que não se ataca
Mas há muito sorro manso
De paletó e gravata
Que com pele de cordeiro
Vive de roubo e mamata
E há um velho ditado
Que corre nesse rincão
Cadeia é feita pra pobre
Que rouba por precisão
É barão que rouba muito
Quem rouba pouco é ladrão
E como é que um pobre sorro
Que não tem dono nem vez
Que nunca foi numa escola
Só conta de um a três
Pode viver sem salário
Sem paga no fim do mês?
O mundo é feito pra todos
Mas isso não corre certo
No repartir das boladas
Leva mais quem tá mais perto
O grande engole o pequeno
E a sobremesa é do esperto
Entre os bichos e entre os homens
Tem os ricos e tem os pobres
Mas o pobre que é esperto
Logo uma ciência descobre
Que o infeliz é aquele
Que deixa que a espinha dobre
Não nasci pra dobradiça
Nem sirvo para teteia
Por isso que me rebusco
Conforme a volta da ideia
Me viro que nem bolacha
Numa gengiva de véia
Procuro tirar dos ricos
Conforme foi seu ensino
Pra alimentar minha sorra
Dar bóia pra os meus sorrinhos
Roubar pra matar a fome
Sempre foi o meu destino
Nascer ladrão foi a sina
Que Deus deixou para o sorro
Embora pareça um vício
Não é mais do que um socorro
De quem é cria de lobo
Que se cruzou com cachorro
E aqui termino essa fala
Que é a minha filosofia
Faça de mim o que queira
Mas não esqueça que um dia
Deus entorta a mão daquele
Que ao pobre fraco judia
Enquanto o sorro ladino
Me enchia de explicação
Fui me doendo por dentro
Me abalando o coração
E concluí, finalmente
Que o bicho tinha razão
Tirei-lhe corda e maneia
Dei-lhe um tapa no focinho
E lhe disse: Vai-te embora
Dar bóia pra os teus sorrinhos
Que não há coisa mais triste
Que a fome rondando o ninho
Deu no pé o sorro véio
Mas me deixou uma lição
Nunca julgar quem é pobre
Sem lhe escutar as razões
Lembrando que Jesus Cristo
Morreu entre dois ladrões